17 de jun. de 2015

Postado por PIBID Sociologia UFBA
| quarta-feira, junho 17, 2015

Larissa Lima Santos
Leonardo Lima Santos
Pedro Fragoso Costa Júnior
Rômulo Iago de Jesus e Santos
Thiago Neri

A temática dos Direitos Humanos é cercada de uma carga semântica e de contradições. Por isso, ela se faz de total relevância aos educandos, pois é preciso entendê-la, bem como identificar as cenas de violação de tais direitos. Segundo Pitanguy (2009), os Direitos humanos resultam de embates e lutas, sofrendo avanços e retrocessos. Diante de sua relevância, o PIBID/Sociologia pensou numa intervenção a ser realizada com as turmas do 3º A N e 3º B N, cujo recorte foi a Lei Maria da Penha e a violência contra a mulher.
A atividade baseou-se em um cordel cuja a temática era a Lei Maria da Penha, foram feitas cópias impressas para todos os educandos, também foi preparado a execução do cordel por meio de um áudio. O relato que segue é uma descrição da execução desta atividade, a mesma ocorreu nos dias 21 e 28 de maio.
No dia 21 de Maio de 2015 deu-se início a primeira da atividade dos licenciandos do Pibid de Sociologia da UFBA no Colégio Estadual Mestre Paulo dos Anjos, com a supervisão do professor Thiago Neri. O tema foi Violência contra a mulher e Direitos humanos.
Como de costume do grupo de licenciandos, saímos do campus de São Lázaro com destino ao colégio, era por volta das 15 horas. O caminho foi feito com o ônibus Estação Mussurunga/Barra 3 e após exatas duas horas, chegamos ao colégio.
As dificuldades foram muito além do trajeto e tempo decorrido para se chegar à escola, e já na primeira parte da atividade se fizeram presentes:

A equipe responsável pelo 3BN é composta por mim, David e Iago. Contudo, David não se sentiu bem e a intervenção foi realizada apenas por mim e Iago. Nossa intervenção ocuparia o horário da primeira e segunda aula, contudo só conseguimos começar por volta das 19h30minhs em consequência da demora dos/as alunos/as em chegar ao colégio e na sala de aula. (Larissa, Licencianda/Sociologia)



Abordamos nesta atividade o fenômeno histórico de como a mulher foi representada ou não nas cartas dos Direitos Humanos. Começamos com o período histórico da Antiguidade falando um pouco do papel da mulher naquela sociedade. Depois, falamos do período da Revolução Francesa, em 1789, onde a primeira Carta foi escrita e a luta que Olympia (uma mulher que lutou para que as mulheres estivessem inseridas nessa Carta) travou para que a sociedade olhasse para a condição da Mulher. Em seguida, falamos do contexto da Declaração de 1948, a segunda Carta dos Direitos Humanos. Discutimos a partir daí elementos mais atuais da condição da mulher na política e no trabalho.
Exposição de Iago  e Larissa na turma 3º BN

         Durante toda a exposição na turma 3º AN, pôde-se notar o interesse dos estudantes no tema, bem como a atenção deles na atividade a partir de perguntas simples e rápidas durante o processo. Os educandos opinavam, criticavam e alguns reproduziam ideias vigentes.  Suas opiniões, de modo geral, seguiam na crítica à condição que a mulher viveu e estava vivendo, a partir do que nós apresentamos e do que o Professor/Supervisor apresentou anteriormente. O que é muito bom, pois o supervisor já tinha trabalhado o tema Direitos Humanos com os educandos e eles conseguiram relativamente incorporar o conhecimento mediado; a ideia central. E nós, bolsistas, complementamos.  .
A turma 3º AN é composta majoritariamente de jovens mulheres, apesar de discutir essa preponderância do homem em sua soberania ao longo dos tempos em diversos setores e ambientes da sociedade, as mulheres da turma insistiam em dizer que não era bem assim, talvez isso se dê pela percepção destas alunas ao seu cotidiano e vivências anteriores, pois de modo convicto elas se colocavam “lá em casa não é bem assim, mainha quem manda”. É bem verdade que muitos lares são matrilineares, com as mulheres exercendo a chefia econômica, ou mesmo lares ausentes de figuras patriarcais.
Enquanto outros educandos, inclusive do sexo masculino, atentavam que se tratava de um nível macrossocial, ressaltando que realmente essa imagem da mulher submissa estava mudando. As alunas reforçaram o discurso que em suas casas homens não mandariam em nada, que seriam delas o poder de mando.

Cordel sobre a Lei Maria da penha

É importante ressaltar também que após esse momento no 3º AN e 3º BN, apresentamos o cordel sobre a Lei Maria da Penha e explicamos como seria a atividade. A escolha do cordel foi feita tanto pela linguagem acessível quanto por apresentar uma forma literária própria da cultura nordestina. Em seguida, educandas na turma 3º B N pediram a fala e esse foi o ápice da aula, pela contribuição que elas deram de exemplos cotidianos. Elas são especialistas de suas próprias experiências (PIRES 2008).
Na turma do 3º B N  - turma também composta por maioria de mulheres, porém mais velhas - ocorreram três grandes falas, a primeira educanda comentou que sofreu violência doméstica do marido (importante relato que comenta  como a violência sofrida não ocorreu dentro de casa, mas na rua, com isso percebemos que o olhar sobre a violência doméstica não está remetido apenas ao espaço da casa, mas com relação ao agressor ser um membro da família), ela contou que os filhos a questionaram sobre quem havia agredido ela, mas pelo fato de os filhos dela serem novos, ela contou que tinha sido assaltada. Contudo, os filhos continuaram questionando, pois ela tinha saído com o marido e não entendiam porque só ela tinha se machucado e que sabiam que tinha sido o pai deles quem tinha agredido ela. Ela ressaltou que sentia muita vergonha de expor tanto para os filhos quanto para outras pessoas que o marido havia agredido ela.
 A segunda educanda trouxe a questão da violência simbólica, deu o exemplo de homens que constrangem a mulher na frente dos amigos dele apontando defeitos, como por exemplo, que a mulher é preguiçosa. Achei (Larissa) interessante por ser levantada a questão da humilhação por uma característica do que a mulher não deve ser a partir da construção social dos papéis de homem e mulher. Acredito ser necessário destacar que logo nas primeiras semanas de aula, uma educanda contribuiu bastante sobre as reflexões sobre a violência contra a mulher, contudo, ela não apareceu nas duas últimas aulas.
O terceiro depoimento foi de uma educanda que contou o caso de uma amiga dela. Segundo ela, sua amiga foi perseguida pelo namorado até ser morta e enterrada por ele no Bairro da Paz.
Após a reprodução do cordel na turma do 3º A N, uma das educandas compartilhou uma realidade dela, em que sua mãe sofria violência doméstica, mas mesmo assim continuava com o parceiro e esta cena se repetia frequentemente, bastava o dito cujo consumir bebidas alcoólicas. A educanda no fim da sua fala concluiu que a mãe era sim culpada, pois se mostrava uma atitude doentia e ela não compreendia o porquê da mãe insistir num relacionamento nessas condições. A maioria das opiniões defendia esse mesmo discurso, defendiam o respeito que cada mulher deve ter, por outro lado criticavam as mulheres em alguns fatos em que elas são vítimas. Na perspectiva de Almeida (2005), culpabilizar a mulher é algo recorrente, feito por vizinhos, amigas, ou mesmo parentes.  
Esse tipo de fala demonstra como está enraizada certas construções sociais, revelando como é difícil quebrá-las. Sendo assim, tem-se a consciência de que a eficácia da intervenção não repousa na resolução de tais contradições, mas sim no fomentar do debate, pois isso é o pilar da superação dessas contradições.
Chama-se a atenção para o fato que ocorreu. Um professor apareceu na sala durante a intervenção, pediu a fala e acabou argumentando e apresentando pontos que fugiam daquilo que tínhamos proposto como discussão. O professor de Geografia começou com um dos discursos mais decepcionantes que poderíamos esperar de uma pessoa que faz um curso de humanas. Recheado de pré-noções, o professor começou falando sobre o fato de a mulher ser mais emotiva e mais sensível que o homem e por isso não teria como se defender das agressões.
Seguiu então com - em parte com certa validade - conselho aos estudantes, que os mesmo não agredissem suas namoradas de forma alguma e que, caso um relacionamento não desse certo, seguissem em frente sem perseguir a ex-parceira. Como se não bastasse o primeiro passo, ele tinha que dar um segundo em falso, continuou o seu discurso elogiando o cordel pelo fato de ele explicar também a quem o homem deve recorrer quando fosse agredido. Pois, na atualidade, segundo ele, as mulheres se tornaram as opressoras que resolveram agredir os homens.
Dando continuidade à atividade, dividiu-se os educandos em grupos e apresentou-se qual seria a pretensão daquilo, fazê-los criar: uma poesia, paródia ou cordel. Avisamos que as apresentações ocorreriam na próxima aula (dia 28), deixando-os com o restante da aula para pensar no que seria suas apresentações. Para finalizar esta primeira etapa da intervenção, resolvemos testar o mecanismo avaliativo que havíamos pensado. Por meio de um instrumento qualitativo simples, tratava-se de três perguntas simples: 1- Que bom? 2- Que pena? 3- Que tal?
·         “Que bom!” é a parte em que eles escreverão o que eles gostaram na atividade, tanto em relação ao desempenho dos licenciandos, quanto em relação a estrutura da atividade e escolha do tema;
·         “Que pena!” é a parte em que eles escreverão o que não gostaram do que teve na atividade e do que sentiram falta na mesma;
·         “Que tal?” é a parte em que os estudantes darão sugestões para que as próximas atividades sejam cada vez melhores.

Que bom!

Como pontos positivos: encontram-se a temática abordada, a presença dos licenciandos, a metodologia e o recurso utilizado. Sendo que, o mesmo depoimento pode fazer referência a mais de um desses pontos. Dos sete depoimentos recolhidos, cinco faziam referências a importância do tema. Alguns contextualizando com o cotidiano deles e com a visão que eles têm da sociedade em que vivem. Três dos depoimentos apontaram a presença dos licenciandos como algo positivo: “Que bom ter pessoas jovens nos ensinando de um jeito divertido a entender os direitos das mulheres”. Dois dos depoimentos fizeram referência à utilização da literatura de cordel e a metodologia mais dinâmica para a aula utilizada pelos licenciandos.

Que pena!

Como pontos negativos: o curto tempo de aula e a falta de profundidade no tema. Eles sentiram que o assunto poderia ter sido mais trabalhado pelos licenciandos. Alguns pontuaram que faltou um diálogo maior entre estudantes e licenciandos e, um depoimento em especial, apontou que o ruim mesmo é que as leis não sejam cumpridas no país.
Alguns dos depoimentos:
“Que pena que o tema não se prolongou por mais tempo em sala de aula”
“Que pena que foi bem rápido apesar que a culpa foi nossa que chegamos atrasados, mas no próximo pede uma aula a mais. Rsrsrs...”
“O que não gostei foi do tempo curto pois deveria ter pelo menos umas três aulas em seguida para dar mais tempo para dar opinião conversar mas, pois os estagiários iria ter mais tempo para se entusiasmar com as turmas”
“Não trocamos idéias com vocês. Seria legal.”

Que tal?

Dentre as sugestões dos estudantes para uma atividade com mais qualidade, fizeram-se presentes: avaliar conhecimento dos estudantes com perguntas, aprofundar e conversar mais sobre esse tema e a atividade em um espaço diferente da sala de aula. Outros pontos interessantes sugeridos pelos estudantes foram que os professores da escola aprendessem a dar aula com dinâmicas semelhantes a utilizada pelos licenciandos e que fossem elaborados projetos pelos licenciandos que ajudem os estudantes a usar a criatividade deles. Parte considerável dos depoimentos trazia convites para o retorno dos licenciandos à sala de aula para novas “palestras” com esse mesmo assunto ou assuntos novos. Talvez, a pergunta “que tal?” não tenha sido interpretada como um espaço para sugestões para melhorias da atividade nesses casos. Este é um ponto para se pensar antes da próxima avaliação de atividade.
Na semana seguinte foi o momento dos grupos do 3º A N apresentarem suas criações em forma de cordel, paródia, poesia, entre outros relacionados ao tema: direitos da mulher e violência doméstica. As apresentações foram diversificadas: poesias, cordéis, uma paródia acompanhada de um violão. Alguns alunos se mostraram tímidos ao apresentar as produções. Por se tratar do último horário, com a euforia de ir para casa, os grupos acabavam indo embora após suas apresentações.


Apresentação na turma 3º AN
Apresentação na turma 3º AN


            Todos/as da turma 3BN que fizeram a atividade apresentaram poemas. Os mesmo refletiram o que foi apresentado na intervenção, foram ressaltadas as questões relacionadas à violência contra a mulher. Foi perceptível que a equipe composta por meninos apresentaram algumas características da mulher que são construídas socialmente – acredito que a interferência do professor de geografia e a falta de uma resposta à fala dele foram prejudiciais nesse sentido – mas, no geral conseguimos que eles/as discutissem e problematizassem a temática dos direitos humanos e da violência contra a mulher. Perdemos o primeiro horário e uma parte do segundo esperando que os/as alunos/as chegassem à sala e os barulhos externos somados a que muitos/as alunos/as falam baixo impediu que eu conseguisse escutar completamente os poemas e fez com que eu precisasse lê-los depois da aula para fazer a observação.

Concluo, afirmando que estou gostando muito dessa experiência no PIBID de Sociologia. Fiquei um pouco nervosa quanto à intervenção, muito pela pressão de conseguir dar conta das minhas responsabilidades. Acredito que esse nervosismo é algo que eu preciso trabalhar mais, além de tentar que a apresentação do conteúdo na intervenção não seja de forma estática, mas que eu consiga fazer com que seja um diálogo mais fluido trazendo para realidade. Todos esses anseios serão possíveis a partir da prática constante, mas o principal é a atividade autocritica que já venho desempenhando para que o processo de mudança ocorra mais facilmente. (Larissa, Licencianda/Sociologia)

Destarte, mensurar a eficácia de uma intervenção é tarefa complexa, ao se afirmar isso não se pode colocá-la como algo insuperável, mas sim como um processo que requer grande acuidade mental de todos da equipe PIBID. Reconhecer todas as dificuldades encontradas e falhas, está nos primórdios da evolução científica e educacional. Sendo assim, este relato é rico à medica que expõe também muitos dos problemas, que na perspectiva de Bachelard (1996), são do campo epistemofílico e epistemológico.

Referências

Almeida, S. M. A. Reflexões sobre violência doméstica: algumas contribuições para (re) pensar a violência contra crianças, adolescentes e mulheres. História Unisinos, 9(3), 177-183, 2005.

BACHELARD, G. A Formação do Espírito Científico: contribuição para uma psicanálise do conhecimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.

PIRES, Álvaro P. Sobre algumas questões epistemológicas de uma metodologia geral para as ciências sociais. In: Poupart J, Deslauriers JP, Groulx LH, Laperriere A, Mayer R, Pires AP. A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos. Trad: Ana Cristina Nasser. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008

PITANGUY, Jacqueline P. ; BARSTED, L. Linhares. Os direitos humanos das mulheres. Fundo Brasil de Direitos Humanos. Relatório de atividades, 2009.