A
discussão acerca da distinção entre os conceitos de “diferença”
e “desigualdade” nos papeis sociais de gênero e raça é de
total relevância no ambiente escolar como apresenta Pimenta (2010),
visto que é preciso prezar por uma formação cidadã dos educandos.
Partindo dessa premissa, o PIBID/Sociologia percebeu a necessidade da
problematização no ambiente escolar da existência das diferenças
sociais, bem como as desigualdades ideológicas existentes em torno
delas. Para tal, enquanto metodologia foi pensada uma atividade que
fornecesse ao educando espaço de crítica e dinamismo. Ela consistiu
em:
1) oito estudantes
receberam um papel com um personagem que eles iriam interpretar; 2)
os bolsistas organizaram esses estudantes em uma linha horizontal,
como linha de partida de uma corrida; 3) os bolsistas disseram
situações voltadas para o cotidiano dos estudantes; 4) os
estudantes que representam personagens privilegiados naquela
determinada situação darão um passo à frente, os desprivilegiados
darão um passo para trás.
Essa
intervenção tencionou enfatizar as descriminações, preconceitos e
desigualdades entre as pessoas a partir da etnia e de gênero, dado
que personagens são caracterizados unicamente por esses elementos.
São eles: mulher negra gay, mulher branca gay, mulher negra
heterossexual, mulher branca heterossexual, homem negro gay, homem
branco gay, homem negro heterossexual, homem branco heterossexual.
A
atividade foi feita com as turmas A, B, C, D e E do segundo ano do
ensino médio, no turno matutino do Colégio Estadual Duque de
Caxias, colégio localizado no bairro da Liberdade em Salvador, pelos
licenciandos Rômulo Santos, Rithiane Almeida e Zósimo Ferreira, com
a supervisão da professora Mariana Bittencourt. Iniciando
a atividade, a primeira dificuldade foi conseguir colocar os oito
educandos em linha dentro do pouco espaço da sala de aula. Após
isso, os papéis dos personagens foram entregues e, de imediato,
começaram as brincadeiras com quem pegou personagens gays. Risos e
pessoas querendo esconder ou trocar o papel.
A cada situação lida,
os educandos discutiam se daria um passo para frente ou para trás.
Os educandos que estavam
com os personagens de negro/negra gay sempre ponderavam sobre sua
participação: "pode quebrar a parede do fundo da sala? Por que
eu só vou andar pra trás", e os demais estudantes também
observavam: "coitada da negra gay", sempre com alguns
risos. Nas situações que tinham violência como tema, os estudantes
que estavam com os personagens negros sempre davam os passos para
trás assim que a situação era lida, sem nem sequer esperar a
discussão em sala, argumentando que andavam logo por que “negro
sempre se dá mal”.
Durante
as discussões, é necessário salientar a situação “tenho
maiores chances de ser abordado pela polícia na rua” em que vários
educandos pontuaram que ocorriam em seus cotidianos, que percebiam
que os homens gays que são “mais afeminados”, independente da
cor, não são abordados pela polícia na rua enquanto outros falavam
que a orientação sexual não era importante e sim a etnia para que
uma pessoa fosse abordada pelos policiais.
É
preciso também destacar as situações que discutiam adoção e
religião nas quais alguns estudantes argumentaram que negros podem
ter menos dificuldade que os gays, mas são nitidamente segunda opção
para adoção de crianças se existir um casal branco com interesse,
bem como as crianças negras tem mais dificuldade para serem
adotadas. Em relação à religião, mesmo entendendo o quanto as
religiões de matriz africana são marginalizadas, os educandos
apontaram que existem algumas relações que podem desprivilegiar
algumas religiões que são privilegiadas em outros momentos, como
estereótipos criados de que evangélicos são todos chatos,
conservadores e preconceituosos.
Situações
que versavam sobre educação também foram intensamente debatidas, e
os educandos sempre traziam à baila a questão das cotas, como a
maneira pela qual os negros tinham exatamente o mesmo acesso, alguns
favoráveis às cotas e outros não. Pontuavam assim, que não
existiam privilegiados. Outros ainda ressaltaram a qualidade do
ensino público e do ensino privado, e como isso garantia um acesso
facilitado à universidade, outros consideravam que isso dizia
respeito muito mais ao indivíduo, que dependia do esforço de cada
um.
Ao
fim das situações, em todas as turmas, a personagem “homem branco
heterossexual” ficou na frente, com mais privilégios, e a “mulher
negra gay” ficou em último, mais desprivilegiado. Como
diz Paulo Freire (1991), a leitura de mundo precede a leitura
escrita. Coube aos licenciandos, escutar como os educandos liam essas
situações de privilégio e exclusão em suas vidas os colocando
como personagens dentro das situações usadas durante a atividade.
Ao chegar na conclusão,
a discussão prosseguia, de maneira bastante intensa em nas turmas.
Alguns educandos além de perceber a diferença nos privilégios,
sempre se viam inclusos nos grupos que deram mais passos para trás.
Além perceberem como é que eles compreendem, leem e lidam com as
situações de privilégio ou desprivilégio, os bolsistas tiveram a
chance de se aproximar mais ainda da turma, se posicionando também
enquanto integrantes dos grupos privilegiados. Quando se
identificavam como moradores do interior, moradores de bairros
periféricos, negros como os demais educandos, uma relação de maior
empatia surgiu entre os educandos e os licenciandos, o que foi
extremamente positivo.
A
atividade terminou então com a reflexão da quão preconceituosa e
segregacionista é a nossa sociedade e como todos nós reproduzimos
essa ideologia em nossas vidas muitas vezes sem nem perceber o que
estamos fazendo.
Referências Bibliográficas
FREIRE,
Paulo. A
importância do ato de ler:
em três artigos que se completam. 26 ed. São Paulo: Cortez, 1991.
GIDDENS,
Anthony. Sociologia.
6 ed. Porto Alegre: Penso, 2012.
PIMENTA,
Melissa de Mattos. Diferença
e desigualdade.
Sociologia: ensino médio. Coordenação Amaury César Moraes.
Brasília, 2010.
SILVA,
Afrânio et al. Sociologia
em movimento.
1 ed. São Paulo: Moderna, 2013.