7 de set. de 2015

Postado por PIBID Sociologia UFBA
| segunda-feira, setembro 07, 2015
Larissa Lima Santos
Pedro Fragoso Costa Júnior
Rômulo Iago de Jesus e Santos
Thiago Neri





 

Após ser anunciada a saída do Colégio Estadual Mestre Paulo dos Anjos do Pibid, o grupo de licenciandos do colégio voltou para fazer o que foi a última atividade oficial pelo programa. Iniciando a terceira unidade, que tem como eixo temático “raça/etnia e gênero/sexualidade”, coube aos licenciandos elaborar uma atividade introdutória aos temas da unidade. Sendo assim, foi planejada uma atividade que chamo de “caminho de privilégios”.
A dinâmica da atividade consiste em: 1) doze estudantes receberam um papel com um personagem que eles irão interpretar; 2) os licenciandos organizaram esses estudantes em uma linha horizontal, como linha de partida de uma corrida; 3) os licenciandos disseram situações voltadas para o cotidiano dos estudantes; 4) os estudantes que representam personagens privilegiados naquela determinada situação darão um passo a frente, os desprivilegiados darão um passo para trás.
Sendo assim, nos dias 20 e 21 de Agosto de 2015, os licenciandos colocaram em prática a atividade planejada com a turma A e B do terceiro ano do turno noturno do Colégio Estadual Mestre Paulo dos Anjos. Para a realização da intervenção, utilizamos o auditório da escola por ser um espaço maior que a sala de aula para a prática da atividade. Colocamos no chão uma fita para indicar o espaço que os personagens deveriam ocupar durante a atividade e organizamos as cadeiras em semicírculo para que os estudantes que não participassem da atividade como personagem, pudessem assistir, participar e perceber o progresso da atividade. Iniciamos a atividade por volta das 19h00minhs, esperando uma quantidade razoável de estudantes chegarem, nesse caso à quantidade de personagens necessários para a atividade. O supervisor Thiago deu as orientações sobre a atividade, e explicou que era uma atividade de abertura da unidade. Iniciando, os papéis dos personagens foram entregues e, de imediato, começaram as brincadeiras com quem pegou personagens gays. Risos e pessoas querendo esconder o papel.

Eu li as situações que tínhamos criado e Thiago problematizou junto com os estudantes sobre cada situação a partir de cada personagem. Quando um personagem era privilegiado na situação dava um passo para frente, quando não era privilegiado um passo para trás. (Larissa, Licencianda Sociologia)

Desse modo, a atividade buscou enfatizar as descriminações, preconceitos e desigualdades entre as pessoas devido às questões de etnia e de gênero, pois os personagens são caracterizados unicamente por esses elementos. São eles: mulher negra gay, mulher branca gay, mulher indígena gay, mulher negra hétero, mulher indígena hétero, mulher branca hétero, homem negro gay, homem branco gay, homem indígena gay, homem negro hétero, homem branco hétero, homem indígena hétero. A cada situação lida, os estudantes discutiam se daria um passo para frente ou para trás. Durante as discussões era comum a exposição de estereótipos como “o índio tem dificuldade de adotar por que ninguém vai querer dar uma criança para viver numa oca” e questionamentos como “tem que ver, pois se o gay for o homem da relação ele não vai sofrer preconceito assim também não, mas se for gayzão, já são outros quinhentos”.











Outro aspecto curioso foi um princípio de indignação no decorrer da leitura das situações, quando os estudantes com personagens negros foram percebendo que estavam dando muitos passos para trás, eles reclamaram: “Oxe! Eu só vou andar pra trás nesse negócio, é?”.

A turma trouxe relatos de situações que eles observam no seu dia a dia, realidades acerca do preconceito, discriminação, desrespeito. Foi uma conversa bastante proveitosa para início de unidade. Observei nos burburinhos comentários de atitudes desrespeitosas com o colega até dentro da própria sala de aula. Alunos da turma aproveitaram a discussão para expor seu ponto de vista sobre alguns temas como homossexualidade, marginalização dos negros, estigmas sociais,desigualdades de gênero e raça/etnia, mercado de trabalho, família, religião, entre outros. Trouxemos também a realidade de outros grupos que poderiam ser incluídos na atividade e que seriam mais desprestigiados nas situações tratadas anteriormente, como o caso de pessoas obesas, travestis, etc. Contudo, todos legitimaram a discrepância de privilégios que uns grupos têm quando comparados a outros, e confirmaram que eles, alunos da turma, nesses aspectos, também estão inclusos nos grupos que deram mais passos pra trás do que o contrário, no momento da dinâmica. Com essa roda de conversa e discussões que percorreram temas variados inclusos no assunto, os alunos foram liberados para voltarem à sua sala de aula. (Pedro, Licenciando Sociologia)

Ao término da dinâmica, os estudantes viram que o personagem “homem branco hétero” tem muito mais privilégios que os outros personagens, sendo que os personagens “mulher negra lésbica” e “mulher indígena lésbica” eram os mais desprivilegiados. Como diz Paulo Freire (1991), a leitura de mundo precede a leitura escrita. Coube a nós, licenciandos, escutar como os estudantes liam essas situações de privilégio e desprivilegio em suas vidas.
Alguns estudantes se posicionaram como preconceituosos, que reproduzem o preconceito sim ao ver um negro entrar em um ônibus vestido de certa maneira, que escondem o celular com medo de serem roubados. Outros estudantes apontaram que sofreram preconceito por ser negro ou nordestino (caso de uma estudante que trabalhava de empregada doméstica em outro estado em outra região do país e sofreu preconceito no trabalho) ou por serem moradores do Bairro da Paz.
 Com isso, percebemos que o conceito de raça carrega consigo “a relação de poder e dominação” (MUNANGA). A partir disso, Thiago conduziu um diálogo entre os estudantes problematizando as questões raciais e de gênero. Alguns dos estudantes contaram algumas experiências que percebiam de racismo e sexismo na sociedade. Como por exemplo, anúncios de emprego que exigiam boa aparência para contratação do/a funcionário/a ou currículo com foto e com isso discutimos a existência de um padrão de beleza que deve ser seguido para que a pessoa que busca um emprego consiga ser contratada. É importante salientar uma das agendas que CARNEIRO apresenta referente a essa situação “instituir a crítica aos mecanismos de seleção no mercado de trabalho como a “boa aparência”, que mantém as desigualdades e os privilégios entre as mulheres brancas e negras”.
Na discussão também foi destacado o mito da democracia racial (FERNANDES apud GUIMARÃES, 1999) sendo problematizadas situações em que negros e negras sofrem racismo no mercado de trabalho, na escola, nos espaços culturais e de lazer, entre outros.  É importante ressaltar que quando distribuímos os personagens, alguns estudantes agiram de forma preconceituosa em representar um personagem que tinha uma raça ou orientação sexual diferente da sua. O exercício também foi importante para que os estudantes percebessem que o termo negro não é um termo ofensivo, e que algumas pessoas que possuem a pele com uma tonalidade mais clara, que é considerado muitas vezes como moreno/a, também é negro/a.
É válido destacar a fala de uma das estudantes que trabalhou como empregada doméstica e babá em outra cidade, habitada em sua maioria por pessoas brancas, e que contou que foi expulsa de uma praça em que estava cuidando das crianças que tomava conta em consequência da sua cor de pele. Essa fala somada à intervenção, evidencia que as opressões sofridas pelas mulheres são diferentes a partir da sua raça e orientação sexual. CARNEIRO afirma que:
“Quando falamos do mito da fragilidade feminina, que justificou historicamente a proteção paternalista dos homens sobre as mulheres, de que mulheres estamos falando? Nós, mulheres negras, fazemos parte de um contingente de mulheres, provavelmente majoritário, que nunca reconheceram em si mesmas esse mito, porque nunca fomos tratadas como frágeis. Fazemos parte de um contingente de mulheres que trabalharam durante séculos como escravas nas lavouras ou nas ruas, como vendedoras, quituteiras, prostitutas... Mulheres que não entenderam nada quando as feministas disseram que as mulheres deveriam ganhar as ruas e trabalhar! Fazemos parte de um contingente de mulheres com identidade de objeto. Ontem, a serviço de frágeis sinhazinhas e de senhores de engenhos tarados. São suficientemente conhecidas as condições históricas nas Américas que construíram a relação de coisificação dos negros em geral e das mulheres negras em particular. Sabemos, também, que em todo esse contexto de conquista e dominação, a apropriação social das mulheres do grupo derrotado é um dos momentos emblemáticos de afirmação de superioridade do vencedor. Hoje, empregadas domésticas de mulheres liberadas e dondocas, ou de mulatas tipo exportação”.

A intervenção apesar de ter ficado cansativa em consequência da grande quantidade de personagens e de situações, e com os problemas de acústica do auditório que comprometia um pouco as falas e tornou necessário falar alto, contribuiu bastante para um diálogo em que os estudantes colocassem situações vivenciadas ou percebidas de racismo, sexismo e homofobia.
A atividade terminou então com a reflexão da quão preconceituosa e segregacionista é a nossa sociedade e como todos nós reproduzimos essa ideologia em nossas vidas muitas vezes sem nem perceber o que estamos fazendo. Como diz Silva et al (2013, p. 104):
Preconceitos de classe, de crença, de gênero, de orientação sexual, de nacionalidade, de etnia, de cultura, entre outros, dão base para diferentes formas de discriminação e segregação. Essas práticas, que expressam estruturas hierárquicas socialmente construídas, valorizam certos grupos sociais em detrimento de outros. Assim, os métodos de discriminação e segregação materializam processos ideológicos fundamentados em preconceitos que refletem a hegemonia de um grupo social e a consequente subordinação dos demais.
Por ser a primeira atividade da unidade, na turma do 3º BN Thiago acabou conduzindo a intervenção e os bolsistas não tiveram um espaço para dialogar também com a turma. Mesmo entendendo a preocupação de Thiago para fazer com que a abertura da unidade trouxesse pontos chaves para discussão dentro da unidade acredito que os bolsistas deveriam ter participado do diálogo com a turma até mesmo para poder aprender com os possíveis erros. Ressalto que por compreender também a amplitude que os debates sobre gênero e raça carregam, fiquei pensando que apesar da intersecção das temáticas, o pouco tempo de aula não contribui para trazer dois temas tão amplos no mesmo momento, pois acaba que as discussões ficam muito superficiais.

REFERENCIAS
CARNEIRO, Sueli. Enegrecer o feminismo: a situação da mulher negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero. Fonte: Negra Cubana.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 26 ed. São Paulo: Cortez, 1991.

GIDDENS, Anthony. Sociologia. 6 ed. Porto Alegre: Penso, 2012.

GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. Baianos e paulistas: duas “escolas” de relações raciais? Tempo Social; Rev. Sociol. USP, São Paulo, 11 (1): 75-95, maio de 1999.

MUNANGA, Kabengele. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia.

PIMENTA, Melissa de Mattos. Diferença e desigualdade. Sociologia: ensino médio. Coordenação Amaury César Moraes. Brasília, 2010.

SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil para a análise histórica.


SILVA, Afrânio et al. Sociologia em movimento. 1 ed. São Paulo: Moderna, 2013.