Larissa Lima Santos
Pedro Fragoso Costa Júnior
Rômulo Iago de Jesus e Santos
Thiago Neri
Após ser anunciada a saída do
Colégio Estadual Mestre Paulo dos Anjos do Pibid, o grupo de licenciandos do
colégio voltou para fazer o que foi a última atividade oficial pelo programa.
Iniciando a terceira unidade, que tem como eixo temático “raça/etnia e
gênero/sexualidade”, coube aos licenciandos elaborar uma atividade introdutória
aos temas da unidade. Sendo assim, foi planejada uma atividade que chamo de
“caminho de privilégios”.
A dinâmica da atividade consiste
em: 1) doze estudantes receberam um papel com um personagem que eles irão
interpretar; 2) os licenciandos organizaram esses estudantes em uma linha
horizontal, como linha de partida de uma corrida; 3) os licenciandos disseram
situações voltadas para o cotidiano dos estudantes; 4) os estudantes que
representam personagens privilegiados naquela determinada situação darão um
passo a frente, os desprivilegiados darão um passo para trás.
Sendo assim, nos dias 20 e 21
de Agosto de 2015, os licenciandos colocaram em prática a atividade planejada
com a turma A e B do terceiro ano do turno noturno do Colégio Estadual Mestre
Paulo dos Anjos. Para a realização da intervenção, utilizamos o auditório
da escola por ser um espaço maior que a sala de aula para a prática da
atividade. Colocamos no chão uma fita para indicar o espaço que os personagens
deveriam ocupar durante a atividade e organizamos as cadeiras em semicírculo
para que os estudantes que não participassem da atividade como personagem, pudessem
assistir, participar e perceber o progresso da atividade. Iniciamos a atividade
por volta das 19h00minhs, esperando uma quantidade razoável de estudantes
chegarem, nesse caso à quantidade de personagens necessários para a atividade.
O supervisor Thiago deu as orientações sobre a atividade, e explicou que era
uma atividade de abertura da unidade.
Iniciando, os papéis dos personagens foram entregues e, de imediato, começaram
as brincadeiras com quem pegou personagens gays. Risos e pessoas querendo
esconder o papel.
Eu li as situações que
tínhamos criado e Thiago problematizou junto com os estudantes sobre cada
situação a partir de cada personagem. Quando um personagem era privilegiado na
situação dava um passo para frente, quando não era privilegiado um passo para
trás. (Larissa, Licencianda Sociologia)
Desse modo, a atividade buscou
enfatizar as descriminações, preconceitos e desigualdades entre as pessoas
devido às questões de etnia e de gênero, pois os personagens são caracterizados
unicamente por esses elementos. São eles: mulher negra gay, mulher branca gay,
mulher indígena gay, mulher negra hétero, mulher indígena hétero, mulher branca
hétero, homem negro gay, homem branco gay, homem indígena gay, homem negro
hétero, homem branco hétero, homem indígena hétero. A cada situação lida, os estudantes
discutiam se daria um passo para frente ou para trás. Durante as discussões era
comum a exposição de estereótipos como “o
índio tem dificuldade de adotar por que ninguém vai querer dar uma criança para
viver numa oca” e questionamentos como “tem
que ver, pois se o gay for o homem da relação ele não vai sofrer preconceito
assim também não, mas se for gayzão, já são outros quinhentos”.
Outro aspecto curioso foi um
princípio de indignação no decorrer da leitura das situações, quando os
estudantes com personagens negros foram percebendo que estavam dando muitos
passos para trás, eles reclamaram: “Oxe!
Eu só vou andar pra trás nesse negócio, é?”.
A turma trouxe relatos de situações que eles observam
no seu dia a dia, realidades acerca do preconceito, discriminação, desrespeito.
Foi uma conversa bastante proveitosa para início de unidade. Observei nos
burburinhos comentários de atitudes desrespeitosas com o colega até dentro da
própria sala de aula. Alunos da turma aproveitaram a discussão para expor seu
ponto de vista sobre alguns temas como homossexualidade, marginalização dos
negros, estigmas sociais,desigualdades de gênero e raça/etnia, mercado de
trabalho, família, religião, entre outros. Trouxemos também a realidade de
outros grupos que poderiam ser incluídos na atividade e que seriam mais
desprestigiados nas situações tratadas anteriormente, como o caso de pessoas
obesas, travestis, etc. Contudo, todos legitimaram a discrepância de
privilégios que uns grupos têm quando comparados a outros, e confirmaram que
eles, alunos da turma, nesses aspectos, também estão inclusos nos grupos que
deram mais passos pra trás do que o contrário, no momento da dinâmica. Com essa
roda de conversa e discussões que percorreram temas variados inclusos no
assunto, os alunos foram liberados para voltarem à sua sala de aula. (Pedro,
Licenciando Sociologia)
Ao término da dinâmica, os
estudantes viram que o personagem “homem branco hétero” tem muito mais
privilégios que os outros personagens, sendo que os personagens “mulher negra lésbica”
e “mulher indígena lésbica” eram os mais desprivilegiados. Como diz Paulo Freire (1991),
a leitura de mundo precede a leitura escrita. Coube a nós, licenciandos,
escutar como os estudantes liam essas situações de privilégio e desprivilegio
em suas vidas.
Alguns estudantes se
posicionaram como preconceituosos, que reproduzem o preconceito sim ao ver um
negro entrar em um ônibus vestido de certa maneira, que escondem o celular com
medo de serem roubados. Outros estudantes apontaram que sofreram preconceito
por ser negro ou nordestino (caso de uma estudante que trabalhava de empregada
doméstica em outro estado em outra região do país e sofreu preconceito no
trabalho) ou por serem moradores do Bairro da Paz.
Com isso,
percebemos que o conceito de raça carrega consigo “a relação de poder e
dominação” (MUNANGA). A partir disso, Thiago conduziu um diálogo entre os
estudantes problematizando as questões raciais e de gênero. Alguns dos
estudantes contaram algumas experiências que percebiam de racismo e sexismo na
sociedade. Como por exemplo, anúncios de emprego que exigiam boa aparência para
contratação do/a funcionário/a ou currículo com foto e com isso discutimos a
existência de um padrão de beleza que deve ser seguido para que a pessoa que
busca um emprego consiga ser contratada. É importante salientar uma das agendas
que CARNEIRO apresenta referente a essa situação “instituir a crítica aos mecanismos
de seleção no mercado de trabalho como a “boa aparência”, que mantém as
desigualdades e os privilégios entre as mulheres brancas e negras”.
Na
discussão também foi destacado o mito da democracia racial (FERNANDES apud
GUIMARÃES, 1999) sendo problematizadas situações em que negros e negras sofrem
racismo no mercado de trabalho, na escola, nos espaços culturais e de lazer,
entre outros. É importante ressaltar que
quando distribuímos os personagens, alguns estudantes agiram de forma
preconceituosa em representar um personagem que tinha uma raça ou orientação
sexual diferente da sua. O exercício também foi importante para que os
estudantes percebessem que o termo negro não é um termo ofensivo, e que algumas
pessoas que possuem a pele com uma tonalidade mais clara, que é considerado muitas
vezes como moreno/a, também é negro/a.
É válido
destacar a fala de uma das estudantes que trabalhou como empregada doméstica e
babá em outra cidade, habitada em sua maioria por pessoas brancas, e que contou
que foi expulsa de uma praça em que estava cuidando das crianças que tomava
conta em consequência da sua cor de pele. Essa fala somada à intervenção,
evidencia que as opressões sofridas pelas mulheres são diferentes a partir da
sua raça e orientação sexual. CARNEIRO afirma que:
“Quando falamos do mito da fragilidade feminina, que
justificou historicamente a proteção paternalista dos homens sobre as mulheres,
de que mulheres estamos falando? Nós, mulheres negras, fazemos parte de um
contingente de mulheres, provavelmente majoritário, que nunca reconheceram em
si mesmas esse mito, porque nunca fomos tratadas como frágeis. Fazemos parte de
um contingente de mulheres que trabalharam durante séculos como escravas nas
lavouras ou nas ruas, como vendedoras, quituteiras, prostitutas... Mulheres que
não entenderam nada quando as feministas disseram que as mulheres deveriam
ganhar as ruas e trabalhar! Fazemos parte de um contingente de mulheres com
identidade de objeto. Ontem, a serviço de frágeis sinhazinhas e de senhores de
engenhos tarados. São suficientemente conhecidas as condições históricas nas
Américas que construíram a relação de coisificação dos negros em geral e das
mulheres negras em particular. Sabemos, também, que em todo esse contexto de
conquista e dominação, a apropriação social das mulheres do grupo derrotado é
um dos momentos emblemáticos de afirmação de superioridade do vencedor. Hoje,
empregadas domésticas de mulheres liberadas e dondocas, ou de mulatas tipo
exportação”.
A intervenção apesar de ter ficado cansativa em consequência
da grande quantidade de personagens e de situações, e com os problemas de
acústica do auditório que comprometia um pouco as falas e tornou necessário
falar alto, contribuiu bastante para um diálogo em que os estudantes colocassem
situações vivenciadas ou percebidas de racismo, sexismo e homofobia.
A atividade terminou então
com a reflexão da quão preconceituosa e segregacionista é a nossa sociedade e
como todos nós reproduzimos essa ideologia em nossas vidas muitas vezes sem nem
perceber o que estamos fazendo. Como diz Silva et al (2013, p. 104):
Preconceitos de
classe, de crença, de gênero, de orientação sexual, de nacionalidade, de etnia,
de cultura, entre outros, dão base para diferentes formas de discriminação e
segregação. Essas práticas, que expressam estruturas hierárquicas socialmente
construídas, valorizam certos grupos sociais em detrimento de outros. Assim, os
métodos de discriminação e segregação materializam processos ideológicos
fundamentados em preconceitos que refletem a hegemonia de um grupo social e a
consequente subordinação dos demais.
Por ser a
primeira atividade da unidade, na turma do 3º BN Thiago acabou conduzindo a
intervenção e os bolsistas não tiveram um espaço para dialogar também com a
turma. Mesmo entendendo a preocupação de Thiago para fazer com que a abertura
da unidade trouxesse pontos chaves para discussão dentro da unidade acredito
que os bolsistas deveriam ter participado do diálogo com a turma até mesmo para
poder aprender com os possíveis erros. Ressalto que por compreender também a
amplitude que os debates sobre gênero e raça carregam, fiquei pensando que
apesar da intersecção das temáticas, o pouco tempo de aula não contribui para
trazer dois temas tão amplos no mesmo momento, pois acaba que as discussões
ficam muito superficiais.
REFERENCIAS
CARNEIRO,
Sueli. Enegrecer o feminismo: a situação
da mulher negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero.
Fonte: Negra Cubana.
FREIRE,
Paulo. A importância do ato de ler:
em três artigos que se completam. 26 ed. São Paulo: Cortez, 1991.
GIDDENS,
Anthony. Sociologia. 6 ed. Porto
Alegre: Penso, 2012.
GUIMARÃES,
Antonio Sérgio Alfredo. Baianos e
paulistas: duas “escolas” de relações raciais? Tempo Social; Rev. Sociol.
USP, São Paulo, 11 (1): 75-95, maio de 1999.
MUNANGA,
Kabengele. Uma abordagem conceitual das
noções de raça, racismo, identidade e etnia.
PIMENTA,
Melissa de Mattos. Diferença e
desigualdade. Sociologia: ensino médio. Coordenação Amaury César Moraes.
Brasília, 2010.
SCOTT,
Joan. Gênero: uma categoria útil para a
análise histórica.
SILVA,
Afrânio et al. Sociologia em movimento.
1 ed. São Paulo: Moderna, 2013.